O Dia da Purificação
1. O maior problema da humanidade
O maior problema da humanidade é o pecado. Alguém poderia argumentar que o problema do mundo é a fome, a injustiça ou a violência, mas todos esses males são consequências do pecado. Foi o pecado que desconfigurou o homem e tornou possível a proliferação de toda forma de mal.
A Bíblia não é a história de heróis incríveis, mas a revelação de um Deus santo que, por sua graça, escolhe homens pecadores para, por meio deles, conduzir seu plano redentivo. Cada escolha, cada descendente e cada promessa revelam o contraste entre um Deus perfeito e um homem caído.
Desde o início, Deus foi mostrando, por meio de sombras, aquilo que um dia faria de forma plena. Com o passar do tempo, a expectativa de que Deus resolveria definitivamente o problema da humanidade foi tomando forma no coração do seu povo. O apóstolo Paulo afirma que essas coisas eram “sombras do que haveria de vir”, e que a realidade é Cristo (Cl 2:17).
2. O Yom Kippur – o Dia da Expiação
Uma das sombras mais claras da obra de Cristo ficou conhecida como Yom Kippur, em português, o Dia da Expiação ou Dia da Purificação.
Em Levítico 16:29–31, o Senhor estabelece um estatuto perpétuo para Israel: no décimo dia do sétimo mês, o povo deveria negar a si mesmo, cessar todo trabalho e descansar diante do Senhor, pois naquele dia seria feita expiação para purificá-los de todos os seus pecados.
Esse dia foi instituído após a morte de Nadabe e Abiú, filhos de Arão, que ofereceram fogo estranho diante do Senhor. Eles não reconheceram a santidade de Deus e pagaram com a própria vida. A partir desse episódio, Deus determina que o acesso ao Santo dos Santos aconteceria apenas uma vez por ano, de maneira extremamente cuidadosa e reverente.
3. O Santo dos Santos e seus símbolos
No Santo dos Santos estava a Arca da Aliança, que continha:
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Uma porção do maná
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A vara de Arão que floresceu
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As tábuas da aliança
Tudo isso era coberto pelo propiciatório, feito de ouro puro, com dois querubins formando uma só peça com a tampa. Suas asas se estendiam sobre o propiciatório, e seus rostos estavam voltados para ele. Ali era o lugar da manifestação da presença de Deus.
4. Os ritos do Dia da Expiação
Levítico 16 descreve detalhadamente tudo o que deveria acontecer nesse dia:
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O sumo sacerdote, o único autorizado a entrar no Santo dos Santos, deveria primeiro se purificar e vestir roupas simples de linho, diferentes das vestes esplêndidas usadas no cotidiano.
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Ele oferecia um novilho como sacrifício pelos seus próprios pecados e pelos pecados de sua família.
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Dois bodes eram escolhidos por sorteio:
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Um seria sacrificado como oferta pelo pecado.
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O outro seria enviado ao deserto (Azazel), simbolizando o pecado sendo levado para longe do povo.
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Diferente dos outros dias, o sacerdote levava brasas e incenso para dentro do Santo dos Santos, formando uma nuvem de fumaça sobre a arca.
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O sangue do novilho e do bode era aspergido sete vezes sobre e diante do propiciatório, purificando o tabernáculo e a rebeldia do povo.
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O bode emissário recebia a confissão dos pecados do povo e era enviado ao deserto.
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A carne, a pele e os excrementos do novilho eram queimados fora do acampamento.
5. O chamado ao povo
Enquanto o sacerdote realizava a expiação, o povo tinha uma responsabilidade clara:
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Negar a si mesmo
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Afligir a alma
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Cessar todo trabalho
A Escritura não descreve detalhadamente como essa aflição deveria ocorrer, mas a prática de Israel a associou ao jejum, à humilhação e à abstinência. Era um dia de completo descanso e total dependência da mediação do sacerdote.
Esse estatuto era perpétuo, apontando para algo maior do que um simples rito anual.
6. A experiência pessoal com o texto
Ao meditar nesse texto, a expressão “negar a si mesmo” salta aos olhos. Jesus usa essa mesma linguagem ao dizer:
“Se alguém quiser vir após mim, negue-se a si mesmo, tome a sua cruz e siga-me” (Mt 16:24).
Negar a si mesmo significa seguir Jesus até a cruz. Paulo afirma que fomos crucificados com Cristo (Gl 2:20). Não vivemos uma nova vida ao lado da velha, mas uma nova vida porque morremos para a antiga.
Significa também renunciar ao governo da própria vida. Em Levítico, o povo descansava de suas obras enquanto o sacerdote realizava a expiação. Isso apontava para o Grande Dia, o dia da purificação definitiva.
7. Cristo: o cumprimento definitivo
Zacarias profetiza que Deus removeria o pecado da terra em um único dia (Zc 3:8–9). Em Cristo, essa promessa se cumpre.
Jesus é:
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O sacrifício perfeito
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O verdadeiro bode emissário que leva nossos pecados para longe
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O bode oferecido pelo pecado
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O Sumo Sacerdote que entrou no Santo dos Santos, não com sangue de animais, mas com o próprio sangue
Hebreus 9 afirma que Cristo entrou uma vez por todas no Lugar Santíssimo, obtendo eterna redenção. Seu sacrifício não cobre o pecado temporariamente; ele o remove definitivamente.
8. Negar a si mesmo à luz da cruz
Negar a si mesmo e tomar a cruz não é trocar o governo da vida por um líder humano, mas render o trono do coração ao próprio Deus encarnado.
Em Cristo, “perpétuo” encontra seu verdadeiro significado:
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Um sacerdócio que não passa
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Uma redenção eterna
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Um sacrifício válido para sempre
Não repetimos o rito do Yom Kippur, mas vivemos sua realidade consumada. Seguimos Jesus fora do acampamento, carregando o seu opróbrio (Hb 13:11–14).
9. O que isso significa na prática
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Mesmo com a presença do pecado e nossas falhas, nosso status em Cristo permanece: perdoados e purificados.
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Nosso Sumo Sacerdote é perfeito, mas compreende nossas fraquezas (Hb 4:14–16).
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Não vivemos mais sob a vergonha de culpados, mas na paz de quem foi declarado inocente diante de Deus.
10. Conclusão
No dia da morte de Jesus, o rito definitivo da Expiação se cumpriu.
Ele nos purificou, nos perdoou e levou sobre si a condenação do pecado, de uma vez por todas.
Portanto, não devemos viver como quem ainda precisa do Yom Kippur, mas como quem sabe que já foi perdoado.
